Ads Top

Quem são os astros da Igreja Católica?

Em outubro de 2009, um obscuro padre de Brasília veio a Porto Alegre para ser padrinho em um batizado. Durante a estada na cidade, ajudou o pároco da Igreja Santa Teresinha a rezar missa e cantou Querência Amada, um dos maiores sucessos de Teixeirinha, diante dos fiéis. Os gaúchos começaram a acompanhar a canção em coro, mas erraram a letra. O padre forasteiro os corrigiu.
Em menos de cinco anos, a trajetória desse sacerdote desconhecido que animava paroquianos sofreu uma reviravolta. Em fevereiro, veio a consagração: seu nome apareceu no cobiçado ranking da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) como um dos 50 artistas que mais venderam discos em 2014 no mundo.
Você pode não fazer a mínima ideia sobre de quem se está falando, mas para milhões de brasileiros ele é um astro. Trata-se de Alessandro Campos, o Padre Sertanejo. Jovem, malhado, paramentado sempre com botas de couro, cinto de fivela espalhafatosa, relógios caros e apertadíssimas roupas de grife, tudo isso arrematado por chapelão de caubói, ele é a última palavra em termos de padres cantores.

Alessandro às vezes chega a cavalo aos shows. Padre arranca suspiros da plateia
Alessandro, 33 aos, é um cartão de visitas da renovação e da constante transformação de um segmento que surgiu há mais de 50 anos, com o “iê iê iê católico” do Padre Zezinho, explodiu nos anos 1990 por meio das coreografias de Marcelo Rossi, bagunçou o sistema hormonal feminino a partir de Fábio de Melo e desembocou agora numa multiplicidade de religiosos cantores que, ao menos no palco, assemelham-se cada vez mais a artistas pop e cada vez menos a sacerdotes. Já há até padre cantando em dupla, no estilo Zezé di Camargo e Luciano e com corte de cabelo à Michel Teló.

Vestido de vaqueiro, às vezes surgindo triunfalmente a cavalo e ao som de um berrante, Alessandro dança, canta velhos sucessos sertanejos, apresenta composições com letras de temática cristã, agita o chapelão e provoca o público. A condição de padre é evocada pela presença do clesma, o colarinho branco característico, enfiado na gola da camisa quadriculada. O feitio de galã, com quase dois metros de altura, faz o mulherio delirar e desabafar, num suspiro: “Que desperdício”. Uma jornalista que foi a um show recente dele – com o intuito de acompanhar uma ou duas músicas para poder cumprir a exigência de publicar um texto com fotos na internet – não conseguiu reunir forças para sair antes do final. Até então, não conhecia Alessandro.
– Ele não canta música religiosa, canta sucessos sertanejos. É bonito e dá umas reboladas. Eu me apaixonei pelo padre! – conta, entre risadas.
O sucesso de Alessandro Campos e o crescei e multiplicai-vos dos padres cantores são reflexo da força de um setor que oferece alento à combalida indústria fonográfica. Para aparecer na lista dos 50 artistas que mais venderam discos no ano passado, o sertanejo teve de chegar à marca de 800 mil CDs, segundo dados fornecidos pela IFPI. No ranking da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), contudo, Alessandro não foi nem o campeão nacional. Ficou em segundo lugar. E quem veio em primeiro? Outro padre, claro: Marcelo Rossi. A ABPD não soube explicar a discrepância entre as listagens nacional e internacional, apontando como possível razão o uso de metodologias distintas.
Assédio e status de estrelas da MPB


Apresentações do padre Alessandro Barros estão sempre lotadas
Dos 10 CDs mais vendidos no país em 2014, quatro são de padres cantores. A última vez em que não houve pelo menos um deles no top 10 foi em 2005. Dona dos passes de Marcelo Rossi e Fábio de Melo, dois dos campeões de vendagem, a Sony Music passou a tratar o segmento religioso como prioridade. O vice-presidente da gravadora, Sergio Bittencourt, dá aos sacerdotes pop o mesmo tratamento concedido às maiores estrelas da MPB:
– Antes de grandes vendedores, eles são grandes artistas. Fábio de Melo, além de sempre conseguir certificação de disco de platina, lançou recentemente um disco que não deve nada a nenhum dos artistas de MPB.
No caso de Alessandro Campos, contou muitos pontos a opção pelo sertanejo, gênero que extrapolou seu tradicional nicho interiorano e conquistou os jovens dos grandes centros urbanos. Oriundo de Guaratinguetá (SP), Alessandro teve o clique de fundir essa febre ao fenômeno dos padres cantores.
Quem acompanhou sua ascensão pôde testemunhar os resultados explosivos dessa mistura. É o caso do tenente-coronel do Exército Fabricio Marques, nascido em São Gabriel. Ele servia no Colégio Militar de Brasília quando o padre assumiu como capelão, em 2007:
– Ele sempre foi meio peão, meio sertanejo. De vez em quando, aparecia na missa de chapéu, aí causava um frisson. As mais carolas diziam: “Ai, que horror, padre de chapéu”. Mas ele tinha carisma. Sempre falei com minha esposa: esse cara não é um padre normal, ele ainda vai fazer uma grande obra. Sabia que ele não ia ficar numa igrejinha, como um padre comum. Nada contra quem fica. Mas há pessoas que tu vês que são diferentes.
Atualmente, Marques está de serviço em Natal (RN). Quando o padre apresentou-se diante de uma massa ensandecida na cidade, meses atrás, o gaúcho viu-o deixar o local do espetáculo escondido no carro, debaixo de um cobertor, para fugir ao assédio. Alessandro foi para a casa do militar, onde passou a noite.
Marques é pai de Ana Luiza, a menina de quem o padre tornou-se padrinho em 2009, em Porto Alegre. Foi nessa ocasião, antes da fama, que Alessandro começou a vir ao Estado, onde fez amizade com o padre Leandro Padilha, então pároco da Igreja Santa Teresinha. Desde então, Padilha hospedou-o várias vezes, convidou-o para concelebrar missas e deixou que cantasse na altar sucessos sertanejos que depois renderiam milhões de reais em vendas.
– Ele pegou um campo novo de evangelização, que é a música mais popular. Se no Rio Grande do Sul, que não é tão sertanejo, o povo escuta direto, imagina o sucesso que ele faz no resto do país. Ele colocou a mensagem do evangelho dentro do coração sertanejo do povo brasileiro – avalia Padilha.
Fama de faltar aos próprios shows


Com pinta de galã, padre é o mais recente fenômeno da linhagem de sacerdotes que viraram estrelas da música
Como todo superastro pop que se preze, Alessandro Campos também se envolveu em polêmicas e ganhou fama de difícil. Recentemente, foi processado pelo ex-empresário, Leonardo Azevedo, por romper um contrato com vigência de 10 anos. O agente pleiteou na Justiça uma reparação de R$ 9,6 milhões. Segundo o escritório de advocacia que representou Azevedo e a assessoria de Alessandro, as partes firmaram um acordo, o que deu fim ao processo.
Alessandro também passou a ser visto como uma espécie de Tim Maia dos sertões, pelo hábito de faltar aos próprios shows – problema que sua assessoria atribui à suposta má-administração do empresário anterior. Uma das cidades onde isso aconteceu foi Claro dos Poções, no interiorzão de Minas. Há um ano, a prefeitura local contratou-o por R$ 45 mil (o valor do show teria mais do que dobrado desde então).
A prefeita, Maria das Dores Oliveira Duarte, conta que correu durante semanas para atender à extensa e detalhada lista de exigências do padre, que incluía um inencontrável sofá branco e um espelho de dimensões bem específicas. Também foi preciso montar uma tenda para servir de camarim, porque o padre teria exigido ficar separado do resto dos músicos. Quando chegou o dia do show, a banda e a equipe do padre chegaram, em um ônibus, depois de um dia inteiro de viagem desde Goiás. Montaram o palco e instalaram telões diante da igreja. Às 17h30min, segundo a prefeita, Alessandro entrou em contato para pedir que fossem distribuídas pulseiras às pessoas que poderiam tirar fotos com ele no camarim. Duas horas mais tarde, durante a missa que precedia o show, telefonou novamente para dizer que não compareceria.
Cidade de 7,7 mil habitantes, Claro dos Poções tinha naquele momento 40 mil pessoas à espera do padre. Caravanas haviam vindo de toda a região. A prefeita acionou Alessandro judicialmente, em busca de indenização:
– Foi muita despesa com hospedagem dos artistas, alimentação, camarim e divulgação, sem falar no constrangimento e no desgaste moral. Organizamos tudo com carinho, porque o povo era apaixonado por ele. Mas foi uma tragédia, com gente chorando na praça. Nunca tive problema com forrozeiro, com cantor de axé, com ninguém. Não esperava isso de um padre.
Até o pároco local, Deangeles Carlos Araújo, ficou revoltado. Ele desabafou em um carta extensa e magoada, publicada pela diocese local e enviada até a CNBB.
– Até hoje, ele nunca atendeu meus telefonemas para me dar uma satisfação – reclama Deangeles.
– Ele deveria pelo menos ter ligado para mim, porque a gente é padre: “Ô, padre, quebrei a perna, minha mãe morreu”. Que desse uma desculpa qualquer. Mas parece que fez de propósito. O produtor dele pediu para eu perdoar, que ele ia me chamar para gravar o CD com ele. Então eu tenho uma paróquia cheia de comunidades para atender e vou sair daqui para gravar CD? Eu disse que não. Não se pode brincar com a fé das pessoas.
Entrevista: Alessandro Campos

Nas situações de assédio, o padre diz: “quando um não quer, dois não brigam!”.
O cantor de “O que é que sou sem Jesus” só pôde responder por e-mail as perguntas de ZH:
Como o senhor se define?
Sou padre. Sempre quis ser padre. Desde meus sete anos, eu já brincava de celebrar missa com bolacha-maria e suco de groselha, vestido com a camisola da minha avó. Eu sou padre, anuncio o evangelho de Jesus Cristo, apenas uso de uma pedagogia diferente _ que é a música, em especial a música sertaneja, os clássicos da música sertaneja, que cresci ouvindo em casa para falar de Deus. Todo clássico sertanejo traz uma mensagem de fé, de superação, de perdão, de família.

Como foi seu início como cantor?
Desde pequeno eu já cantava no coro da igreja, nas celebrações. Quando me ordenei padre, fui para Brasília, encardinado na Arquidiocese Militar do Brasil. Para chamar a atenção, comecei a cantar e, na hora da homilia, sempre cantava um clássico sertanejo. Após cantar, começava a pregar sobre as mensagens que traziam as músicas. As missas encheram, não só de militares, mas também de civis trazidos por eles. Eu queria evangelizar assim, diferente. Trago sempre nessa caminhada um bordão que diz: “Por que você espera resultados diferentes, se faz tudo sempre igual?”.

Como o senhor concilia a música e a presença na mídia com as funções de sacerdote?
Sou padre 24 horas. O palco é o meu altar. Quando não estou no palco, estou no altar.

Como é a rotina de viver na estrada, fazendo shows?
Me sinto como um missionário. O meu desejo maior é ver o máximo de pessoas cantando e rezando: “O que é que eu sou sem Jesus? Nada, nada, nada.... Sem Jesus o que é que eu sou? Nada, nada, nada...”.

Que destino o senhor dá aos recursos obtidos com a venda dos discos?
Tenho três creches de assistência a 300 crianças carentes. Tem as obras sociais da diocese, e estou construindo a Paróquia de Santa Rita de Cássia em Mogi das Cruzes.

O senhor é muito assediado pelas fãs. Como é, sendo padre, lidar com isso?
Eu sou padre, todos sabem disso. Eu sempre respondo a essa pergunta do assédio que tenho convicção da minha escolha e que “quando um não quer, dois não brigam!”.

Recursos obtidos com os shows são, segundo Alessandro, destinados a creches e obras sociais da diocese, além de uma paróquia que ele está construindo em Mogi das Cruzes
Onipresentes, mas inacessíveis

Durante 10 anos, padre Marcelo Rossi foi alvo de uma investigação sigilosa movida pelo Vaticano
Depois de uma semana de negociação, durou um minuto a entrevista com o padre Marcelo Rossi. A conversa estava marcada para as 10h15min da segunda-feira, mas a gravadora disse que só teve luz verde para fornecer o número do telefone perto das 10h30min. O sacerdote atendeu falando em alta velocidade, atropelando palavras:
– Nossa, eu já estava preocupado. Bom dia. Amanhã é Dia do Padre e hoje tem a confraternização, então como eu marquei 10h15min, pensei: vai me ligar às 10h10min. E são 10h28min. Vou chegar na confraternização e não vou poder te atender. Vou ter de parar. E depois eu viajo para Campo Grande. Eu não paro. Por isso eu marquei 10h15min. Foi o pessoal da Sony que fez isso? Deixa eu ligar para a Aninha. Vou acertar um jeitinho. Valeu. Tchau.
E acabou assim. Marcelo Rossi não ofereceu novo contato até a sexta-feira (7/8). Também não respondeu às perguntas enviadas previamente por e-mail. Nada de surpreendente. Em um país onde os padres cantores conquistaram status equivalente ao de uma Madonna ou de um Michael Jackson, a inacessibilidade é regra.
No caso do padre Fábio de Melo, por exemplo, um assessor disse que ele não falaria porque estava em um retiro. Mas o religioso não parou de alimentar sua popular conta no Twitter com fotos engraçadinhas e tiradas do tipo:


Com Alessandro Campos, foram 10 dias de contato por meio de sua secretária, somando dezenas de telefonemas, e-mails e mensagens por celular. O retorno costumava ser que ele ligaria em minutos ou que estava prestes a enviar respostas por e-mail – o que finalmente aconteceu. O mesmo não pode ser dito do Padre Reginaldo Manzotti, outro campeão de vendas de CDs, que incorporou o samba e o reggae ao repertório e chamou uma fã de “safada”, em seu programa de rádio, quando ela contou que tinha um caso com o vizinho. Manzotti ficou só na promessa. Como afirma o título de um disco de Alessandro Campos: “O homem decepciona, Jesus Cristo jamais”.
Curiosamente, os padres cantores se transformaram em estrelas ao mesmo tempo em que a Igreja Católica amargava um sucesso cada vez menor junto o público brasileiro. Em 1970, nos tempos em que o padre Zezinho reinava quase solitário na seara da música religiosa, 92% da população se declarava apostólica romana. Em 1991, eram 83%. Hoje, com o mercado inundado por sacerdotes pop para todos os gostos, incluindo padre pagodeiro, os católicos são menos de 65%.
Há sinais de que um fenômeno possa estar ligado ao outro. Não que a Igreja Católica venha degringolando por culpa do rebolado dos padres pop, mas sim porque teria decidido abraçá-los e projetá-los, inclusive em seus variados canais de TV, como uma forma de tentar estancar a sangria.

Foi em um contexto de perda de fiéis que surgiu o fenômeno Marcelo Rossi, em meados dos anos 1990. Ele veio da Renovação Carismática, um movimento católico que emergia como resposta ao avanço das igrejas neopentecostais e seus cultos cheios de dança e música. Ao traduzir esse modelo para o campo do catolicismo, conheceu o sucesso popular, mas também teve de comer o pão que o bispo amassou. Foi atacado, sofreu boicotes e tornou-se até mesmo alvo de uma investigação sigilosa de 10 anos, movida pelo Vaticano, sob a acusação de desvirtuar as práticas católicas e transformar a missa em um circo. Quase acabou suspenso. Mas riu por último – apesar de ter enfrentado depressão e anorexia, o que atribuiu às perseguições. Em 2007, Bento XVI disse-lhe: “Pode continuar”. Era a absolvição. Três anos depois, recebeu um dos prêmios mais importantes concedidos pela Santa Sé.

Marcelo Rossi, desde a década de 1990, é um dos padres campeões de vendagem da gravadora Sony Music
– Em um primeiro momento, a Igreja Católica ficou muito preocupada, porque estava vendo algo parecido com as igrejas neopentecostais. Ainda há setores minoritários que não veem isso com bons olhos, mas o discurso oficial passou a ser que os padres cantores estão ajudando a expandir a mensagem católica. O que a gente vê é uma ressignificação da figura do padre na sociedade brasileira – diz a socióloga Sílvia Fernandes, professora Universidade Federal Rural do Rio, uma das raras pesquisadoras do tema.
A mudança de atitude pode ser identificada na própria postura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), principal instituição católica no país. No final dos anos 1990, a entidade criticava abertamente os padres cantores. Uma década depois, o secretário-geral, Leonardo Steiner, afirmou:
– Eles ajudam a visibilizar a Igreja Católica, a mostrar o rosto da Igreja, no sentido de que um padre também pode ser cantor e, através do canto, levar a mensagem do evangelho. Os padres que chamamos de midiáticos ajudam a evangelizar.
Diversão com bênção

André Ricardo de Souza, professor da Universidade Federal de São Carlos (SP), define o surgimento dos padres cantores como uma tentativa de vencer a concorrência pela via da popularização: “A mensagem propalada é bastante simples e direta, sem formulações teológicas. É voltada, sobretudo, para aqueles que nunca vivenciaram um catolicismo militante e andavam afastados das missas”, escreve.
Tirando os fãs, Sílvia deve ser a pessoa que mais ouviu os discos e analisou vídeos e letras. A socióloga também destaca o apelo popular dessa turma:
– Eles fazem sucesso por um discurso de teologia minimalista, que você não precisa ter erudição para entender. Muito pelo contrário, é preferível que não tenha. O que seria propriamente teológico não recebe tanta ênfase. É uma fala que vai trazer a ideia de ânimo, de força, de ter fé para tudo dar certo, de cultivar o amor. Você não vê acréscimos a essas narrativas. Isso vem embalado numa linguagem pop, que é muito palatável.

Nesse cenário, o mais diferentão é Fábio de Melo. Ele explodiu na esteira de Marcelo Rossi, mas introduziu um rosário de inovações. Para começar, deixou a batina no armário da sacristia e subiu ao palco com roupas moderninhas. Adotou uma estética que remete a cantores do pop romântico, com letras que falam em esperança, mas não avançam muito na doutrinação católica. Acima de tudo, inseriu o aspecto erótico na equação. Foi o primeiro dos “padres gatos”. Para Sílvia, ele trouxe também uma “filosofia da autoajuda”:
– Havia um espraiamento de uma literatura do tipo Paulo Coelho, e ele entra nesse contexto. O perfil ajuda. Os primeiros shows tinham muitas mulheres. Ele tinha esse apelo da masculinidade. O Marcelo Rossi estava sempre de túnica. O Fábio de Melo já aparece com calça de couro.
E por que sacerdotes católicos, muitas vezes com talento musical limitado, tornaram-se mais populares do que músicos tarimbados e com maior liberdade para ultrapassar os limites impostos pelos santos votos? Mais uma vez, é Sílvia quem traz resposta, com base em seus anos de pesquisa: eles venceram a corrida nas paradas de sucesso não apesar, mas justamente por serem padres.
– Essa condição é que faz a diferença. Além de se divertir com o show, o fã acredita que está recebendo uma bênção, algum bem não material, que um cantor pop secular não vai trazer. Ele se sente em uma relação mística, de proteção. É por isso que os padres cantores não abrem mão do clesma, o colarinho que mostra que eles são padres. O Fábio de Melo chegou a deixar de usar, mas depois voltou atrás – observa a socióloga.
O caminho pavimentado por Marcelo Rossi e ornamentado por Fábio de Melo deu tão certo que o mercado hoje é segmentado. Acaba de surgir a primeira dupla, formada pelos padres Rodrigo Papi, de Minas Gerais, e Sérgio Bedin, de São Paulo, que já tinham carreira solo. Quando decidiram se unir, viraram apresentadores de TV, foram chamados para tocar em rede nacional em emissoras católicas e acabaram procurados pela Globo para uma reportagem. Fizeram o primeiro clipe e lançaram um EP com quatro músicas. Preparam-se para o primeiro CD.
– Com toda a explosão que houve do gênero dupla sertaneja, a ideia de uma dupla de padres chamou atenção. Mas não somos sertanejos, somos pop – avisa Rodrigo, orgulhoso proprietário do penteado mais espetacular do clero brasileiro.

“Somos sertanejos, somos pop”, avisa a dupla de padres Rodrigo e Sérgio
O alerta do Padre Zezinho

Padre Zezinho é um dos precursores do movimento pop na Igreja Católica
Em 2012, Padre Zezinho, 74 anos, subiu em um palco de Brasília para aquele que seria o último dos seus shows. De volta a São Paulo, dias depois, sofreu um AVC. Pioneiro entre os padres cantores, responsável por reunir públicos de 150 mil pessoas Brasil afora, Zezinho perdeu a voz. Só para voltar a falar, foram sete meses de exercícios. Teve de renunciar a se apresentar ao vivo.
– Cantar no palco, não canto mais. Não arrisco. Tenho certeza de que não vai dar certo, que vou gaguejar. E não vou enganar o povo colocando uma gravação e fazendo de conta que sou eu – diz o criador do iê-iê-iê católico. – Achei que ia ser difícil ficar longe dos shows, mas não foi. Depois de 50 anos, está bom. Já dei meu contributo.
Apesar disso, não parou de gravar discos. Já são 118, que ele calcula terem vendido entre 10 milhões e 15 milhões de cópias. Publicou 10 livros após o AVC. No momento, está lançando Crer Sabendo que Há Mais, pela Editora Ave-Maria.

Essa obra gigantesca começou a ser construída no começo dos anos 1960, quando os Beatles e a Jovem Guarda dominavam a cena. Filho de um violeiro amador, Zezinho se criou ouvindo música caipira em Taubaté (SP). Juntou essas referências todas, levou a guitarra elétrica para dentro da missa e lançou a figura do padre cantor. Foi atacado com virulência, dentro e fora da igreja.
– Diziam que eu não ficaria mais do que cinco anos padre, porque estava fazendo uma coisa que não tem nada a ver com a Igreja – recorda.
Para muita gente, a música e as letras do Padre Zezinho estão em um patamar superior, em termos de qualidade e sofisticação, na comparação com o que se faz hoje. Seja como for, a atual geração reconhece-o como precursor e costuma apontá-lo comO principal referência. O próprio Zezinho se vê nesse papel patriarcal:
– Quem começou esse trabalho fui eu.

Um AVC tirou padre Zezinho dos palcos, mas ele segue gravando e escrevendo
Zezinho optou por uma existência espartana. Vive há 40 anos no mesmo quartinho, em uma casa religiosa de Taubaté. Diz que não tem nada, e que o que tem é dos outros padres também. O dinheiro que sua música fez, garante, nunca passou por suas mãos. Foi direto para o cofre de sua congregação, para bancar missionários e obras sociais.
– Fiz uma escolha. O voto de pobreza foi consciente – afirma.
Tempos atrás, atacou abertamente Marcelo Rossi, criticando-o por “se sentir mais eminente do que é”. Questionado acerca de sua opinião sobre os padres cantores da atualidade, oferece uma resposta enviesada:
– A mensagem é maior do que o mensageiro. Quando o mensageiro fica maior do que a mensagem de Deus, tem alguma coisa de errado com os dois. Enquanto o padre for instrumento para promover os casais, as famílias, os jovens e as crianças, é bom. Toda vez que é só o solo, que o padre aparece mais do que tudo, eu digo: toma cuidado.
Quem são os astros da Igreja Católica? Quem são os astros da Igreja Católica? Reviewed by Rádio Brasil Fiel on 17:13 Rating: 5