Jesus não era reconhecido como Deus
"E vós, quem
dizeis que eu sou?", pergunta Jesus aos apóstolos, numa das cenas mais
importantes dos Evangelhos. De acordo com um historiador americano, se essa
mesma pergunta fosse feita aos autores dos livros que compõem o Novo
Testamento, cada um deles daria uma resposta diferente -e só um diria que Jesus
é Deus.
Essa é a mensagem do
livro "Como Jesus se tornou Deus", de Bart Ehrman, professor de
estudos religiosos da Universidade da Carolina do Norte. Na obra, que acaba de
chegar ao Brasil, Ehrman analisa os textos produzidos pelos primeiros cristãos
e acompanha as controvérsias sobre a natureza de Cristo ao longo de mais de
três séculos.
Segundo ele, essa
análise indica que os atuais dogmas cristãos sobre Jesus -para quase todas as
igrejas, ele é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tão eterno quanto Deus
Pai- demoraram para se consolidar.
FILHO
(ADOTIVO)
Ocorre, porém, que
essa posição, hoje considerada ortodoxa, não está clara em muitos textos da
Bíblia. Ehrman defende, por exemplo, que o Evangelho de Marcos, considerado o
mais antigo (escrito em torno do ano 65 d.C.), apresenta uma perspectiva que os
cristãos dos séculos seguintes chamariam de adocionista -ou seja, Jesus é um
homem que é "adotado" por Deus como seu filho.
"É claro que
muitos autores hoje vão tentar defender a ortodoxia de Marcos, porque afinal
ele foi aceito pela Igreja", pondera Marcelo Carneiro, professor da
Faculdade de Teologia de São Paulo.
"Mas, se você
faz o exercício de ler Marcos separado do Novo Testamento, se ele fosse o único
texto que temos sobre Jesus, fica difícil sustentar que Marcos acredita que
Jesus era o Cristo desde a eternidade", analisa Carneiro.
Algumas décadas
depois, os autores do Evangelho de Mateus e do Evangelho de Lucas usaram Marcos
como fonte, mas inseriram narrativas da infância de Jesus (da qual Marcos não
fala) no começo de seus textos. Eles mencionam, pela primeira vez, a gravidez
milagrosa da Virgem Maria, e que Jesus seria divino desde a concepção.
Em todo caso, a
crença na ressurreição de Jesus é um fator decisivo para o desenvolvimento das
doutrinas sobre a natureza de Cristo. Foi por acreditarem que Jesus tinha
ressuscitado que ao menos alguns de seus seguidores passaram a vê-lo como algo
mais do que humano.
Uma figura-chave
nesse movimento é o apóstolo Paulo. Em sua Carta aos Filipenses, ele diz que
Jesus "estando na forma de Deus, não usou de seu direito de ser tratado
como um deus, mas se despojou, tornando-se obediente até a morte". Por
isso "Deus soberanamente o elevou e lhe conferiu o nome que está acima de
todo nome".
Para Ehrman, essa
passagem, e outras das obras de Paulo, indicam que o apóstolo via Jesus como um
ser divino, mas não idêntico a Deus. Na prática, que Paulo via Jesus como o mais
poderoso dos anjos, que se encarnou por ordem divina.
A visão de Paulo não
seria a última palavra. Escrito por volta do ano 100 d.C., o Evangelho de João
é o primeiro a dar a entender que Jesus e Deus Pai estão em pé de igualdade
desde a eternidade.
Nos dois séculos
seguintes, outros grupos apresentariam perspectivas bem diferentes (veja quadro
acima).
O dogma atual só
seria definido no ano 325, no Concílio de Niceia, reunião organizada pelo
imperador romano Constantino. Para Ehrman, o dogma enfim conciliou as várias
perspectivas divergentes que existiam sobre Jesus nos livros do Novo
Testamento.
crédito: UOL
Jesus não era reconhecido como Deus
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